Não basta só falar de tecnologia, precisamos ser críticos a ela

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Eixo XYZ.
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Desde que me entendo por gente consumo tecnologia. Fui criado por um pai que passou anos da sua vida sendo técnico de informática e por isso sempre tive acesso a muitos computadores em casa, com peças atualizadas para que eu pudesse jogar o Need for Speed mais recente, acesso à internet para vasculhar sites logo em meados dos anos 2000, baixar músicas pelo 4Shared ou Ares, passar horas jogando Habbo Hotel e tantas outras coisas mais.

Assim, era natural que eu tomasse gosto pela tecnologia e, com certeza, é a razão primordial pela qual eu trabalhe com isso há quase seis anos e seja o assunto principal em minha newsletter.

Durante minha infância via os bilionários como figuras importantes e inspiradoras, seja pela quantidade de dinheiro que possuíam, ser donos de grandes empresas que começaram em uma garagem e pela filantropia que praticavam para tornar nosso mundo um lugar melhor. Como eu era ingênuo.

Hoje tenho plena consciência de que estas pessoas são bilionárias porque exploram o poder do trabalhador (que ganha pouco e produz muito), são donas de grandes empresas que receberam investimento ou já possuíam dinheiro para tal (o clássico papo de começar em uma garagem não passa de marketing para tentar mostrar como essas pessoas eram humildes e nos vender a ideia, nunca a realização, de que podemos atingir patamares semelhantes) e que sua filantropia não passa de um mecanismo para que paguem menos dinheiro ao governo (afinal, se quisessem fazer mudanças de verdade não ficariam acumulando bilhões de dólares, comprando redes sociais e construindo universos virtuais com narrativa digna de vilão de ficção científica).

A ingenuidade é perigosa e nos leva a acreditar em um mundo de ilusões, onde líderes da alta tecnologia lançam celulares todos os anos para aprimorar nosso dia a dia, criam soluções de trânsito como o Hyperloop para facilitar o transporte pessoal e buscam um mundo mais verde e menos danoso à saúde de seus usuários.

Quando a ficha cai, notamos que os líderes só esperam que a margem de lucro aumente ano após ano a cada novo lançamento (e se continuar estável, milhares de trabalhadores são demitidos do dia para a noite), que soluções para melhoria do trânsito existem há séculos e são acessíveis a todos (basta focar no coletivo em vez do individual) e que essas empresas são responsáveis por poluir o mundo com a extração de minerais para fabricação de baterias e microprocessadores enquanto exploram o trabalho humano com jornadas exaustivas e baixíssimo salário.

Enquanto escrevia este texto, várias cenas do filme “Ela“ (2013, Dir. Spike Jonze) pipocavam na minha cabeça.

Pode parecer que eu esteja sendo pessimista, mas tudo isso não passa da realidade. Eu amo falar de tecnologia, trabalho há anos cobrindo os principais lançamentos e últimos avanços e não planejo parar por tão cedo, mas é necessário senso crítico.

Não podemos acreditar no que empresas nos falam e não devemos aceitar qualquer ideia dita por bilionários completamente alheios à realidade de 99% dos habitantes do mundo. O pensamento crítico leva anos para ser desenvolvido, e ainda continuo lentamente desenvolvendo o meu, mas é libertador notar o avanço que fazemos em nossa mentalidade nos últimos dez anos.

Esse texto foi escrito quase como um fluxo de pensamento e não teve o tratamento que gostaria de ter dado, mas um grande objetivo para este ano é trazer assuntos semelhantes para que possamos nos tornar mais críticos à tecnologia e perceber que bilionários não fazem nada por nós além de lançar produtos que possamos consumir em um ciclo vicioso.

Ainda tratarei de vários assuntos abordados nesse texto e muitos outros que ficaram de fora com maior cuidado e atenção, e se você quiser recomendar algum documentário, série, filme, livro ou jogo que possa acrescentar no tema, fique livre para responder ao e-mail da newsletter ou deixar um comentário no aplicativo do Substack.