A embaralhada nostalgia das memórias em Aftersun

Este texto foi publicado originalmente na newsletter do Eixo XYZ.
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Aftersun é a estreia de Charlotte Wells como diretora e ela é capaz de sua marca de forma muito impressionante. Mas o filme sensível e contemplativo sobre as férias de Sophie (Frankie Corio) e seu pai Calum (Paul Mescal) em um velho hotel na Turquia pode não agradar a todos pelo seu ritmo.

A direção não tem pressa para contar sua história, o que pode fazer com que algumas pessoas achem que nada acontece durante o filme, mas pequenas coisas são expostas o tempo todo durante falas e gestos em cenas que, novamente, podem ser percebidas como arrastadas, mas são lentas de propósito.

Não vou dar detalhes do que acontece ou deixa de acontecer por que quero que sua experiência seja um pouco como a minha: que você comece o filme sabendo que muitos gostaram e com a mente aberta para reconhecer que ele não pode ser ideal para você (e está tudo bem se assim for). Por isso vou me atentar ao macro.

Paul Mescal, mais conhecido por seu papel no arrasador Normal People, entrega uma atuação impecável como o pai que lida com questões problemáticas da sua vida pessoal. Há poucos dias foi aniversário da Sophie e a poucos dias será o aniversário do Calum. Durante o decorrer das férias vemos que ele não está no melhor momento da sua saúde mental e que algo ainda o abala.

A pequena Frankie Corio entrega muita complexidade na atuação de sua personagem de 11 anos que começa a ter uma pequena noção do desejo sexual dos jovens; eles se beijam e flertam à sua frente, têm conversam explícitas sobre o que aconteceu na noite anterior e desdenham ao imaginar se a garota poderia entender do que estão falando. Sophie está nos últimos anos da ingenuidade.

A naturalidade do texto, da fotografia, dos acontecimentos e dos personagens no decorrer do filme é muito admirável. Nem toda direção e roteiro (este escrito pela própria diretora) consegue criar essa sensação de proximidade com os espectadores, mas ainda sim já no seu primeiro filme Charlotte Wells se prova muito competente no que se propõe a entregar. Mal vejo a hora de ver seus próximos filmes. O trabalho me lembra a naturalidade impecável de Looking (HBO).

Assista Aftersun sem pressa em um dia calmo onde você se sinta pronto para absorver um filme repleto de contemplação e sensibilidade.

O longa tem 101 minutos de duração e está disponível na Mubi.

Um adendo que pode ser considerado spoiler (fique livre para pular): por algum motivo eu esperava que algo de muito ruim fosse acontecer a qualquer momento durante o filme. Achava que estava certo, mas estava errado. De novo, de novo e de novo. Talvez a trilha sonora, talvez o enquadramento fechado, talvez minha mania de assistir muitos filmes de suspense e terror. Vai entender.